22/12/2009

Naquela noite o clarim não pediria o silêncio

Homenagem a João Cândido e a todos os revoltosos que o seguiram.



Plano de trabalho:


1-Escolher uma faixa de calçada portuguesa.


2-Arrancar as pedras do pavimento.


3-Re-pavimentar a calçada com as mesmas pedras, organizando um mosaico com a seguinte frase: NAQUELA NOITE O CLARIM NÃO PEDIU O SILÊNCIO / Homenagem a Revolta das Chibatas.

Advertência: o mosaico deveria ser construído com pedras brancas, da mesma cor, de maneira que a escrita fosse velada _ só um passante atencioso notaria a mensagem recalcada.

Como surgiu a idéia:


Primeira referência: Andando por Belo Horizonte, certa vez encontrei um mosaico “esquecido” (veja foto acima). Seu estado “quase invisível” contava o seguinte: Existia um mosaico com um determinado desenho de pedras pretas sobre um fundo branco. Posteriormente, as pedras pretas foram retiradas e substituídas por pedras da mesma cor que o fundo, para que o mosaico fosse apagado. Mas o desenho ainda pode ser notado pois os contornos da disposição das pedras permaneceram inalterados.

A tradição destes mosaicos vem de Portugal. No Brasil, e sobretudo em Belo Horizonte, esta forma de calçamento foi amplamente utilizada na década de 20, quando vigorava o estilo art decó sob uma variação denominada Marajoara (os motivos destes mosaicos se inspiram em desenhos e padrões dos índios brasileiros). Assim como os nomes das ruas do centro de BHte. (rua Tupis, Carijós, Tupinambás, etc), que são de tribos extintas, a referência aos índios nos mosaicos alude a uma tendência que vem desde o Romantismo Brasileiro, em sublimar as condições presentes de opressão (brancos sobre negros) remetendo a representação da identidade visual a um passado remoto, longe no tempo e que dele não se pode fazer mais nada. Assim, a promoção do índio como “estilo” vem abafar, ou apaziguar, o incômodo que o branco sente em relação aos “outros”.


Segunda referência:
Em 2008, em uma série de “poemas comportamentais”, prestei homenagens a vários heróis empilhando equilibradamente pedras soltas das caçadas sobre a estatuária militar da cidade. Um dos bustos privilegiados foi o do Marquês de Tamandaré, patrono da Marinha de Guerra do Brasil.(veja foto).



Terceira referência: os últimos versos de uma canção de Aldir Blanc e João Bosco:

Salve, o navegante negro/ que tem por monumento /as pedras pisadas no cais.


Ariel Ferreira


06/12/2009

"Somos todos Negros" convocatória


(para convocatória em outras línguas e site principal, clicar aqui)



“Todos os cidadãos, de agora em diante, serão conhecidos pela denominação genérica de negros”.


Artigo 14, Constituição Haitiana de 1805.



Em meio aos festejos previstos para o Bicentenário das revoluções de independência americanas de 1810, é significativa a omissão da revolução haitiana de 1804, a primeira, a mais radical e mais inesperada de todas elas. Nela foram os ex-escravos de origem africana – isto é, a classe dominada por excelência, e não as novas elites “burguesas” de composição européia branca – que tomaram o poder para fundar uma república chamada, com razão, negra. Negra e ao mesmo tempo com nome indígena, já que Hayti é o velho nome taíno da ilha. Haiti, até então chamado Saint Domingue, era de longe a colônia francesa mais rica do Caribe. Uma sociedade agrária e escravagista produtora de açúcar e café, com meio milhão de escravos, que proporcionava mais da terça parte das riquezas francesas vindas das colônias. A Constituição do Haiti foi promulgada a partir dos esboços redigidos em 1801 pelo liberto Toussaint Louverture, morto nas prisões napoleônicas, quem havia encabeçado a revolta antiescravista desde 1791. Diferentemente do que acontecerá com outras independências americanas, há neste silenciado caso, que custou 200.000 vidas, uma radical descontinuidade (jurídica, sem dúvida, mas também e sobre tudo, étnico-cultural) com relação à situação colonial. O ideal de igualdade da Revolução Francesa é levado mais além dela mesma, que terminou pretendendo impedir a abolição da escravidão no Haiti. Os escravos haitianos compreenderam logo que na noção de “universalidade”, proclamada pelos Direitos Universais do Homem e do Cidadão, não cabia sua “particularidade”. A radicalização filosófica inédita da generalização arbitrária “agora somos todos negros”, incluindo explicitamente as mulheres brancas, os polacos e os alemães (sic), deixa claro que para os revolucionários haitianos negro é uma denominação política e não biológica, que destrói a falácia racista e aspira a um novo universal a partir da generalização do particular (mais) excluído.

(baseado no texto de Eduardo Grüner, “A partir de hoje somos todos negros”, inédito, 2009.)


Convocamos a retomar a palavra de ordem haitiana e instalá-la nas ruas e nos debates públicos, não apenas para chamar atenção sobre a história silenciada desta revolução negra de 1804 frente às homenagens do Bicentenário criollo, senão também pela carga de ruptura que ainda porta intacta a idéia de que todos e todas podemos nos definir como negros, em meio à crescente intolerância em que vivemos. Cartazes, auto-adesivos, panfletos, grafite, advertências em publicações e qualquer outro meio podem levar a estender essa campanha anônima e coletiva por toda América Latina e o resto do mundo.


Kreioly: l´haiti c´ici, ce acá , es aqui

11 de maio, diálogo de chat às 11:19 de segunda-feira

clara: cómo va le criolês?
paulo: Hola Clara , estas en casa?
clara: si!
paulo: bueno , bien ... las reglas comienzam aghora...
clara: je croi nous devon faire un blog mais le regles son rigidas? tu va a ser un dictater?
paulo: la lengua tiene que tener cosas de las três o cuantro leguas de las Americas Latinas. Entoces seremos todos latinos ? Incluso los jamaicanos, puerto riqueños, surinameños? Creo que si...
clara: ok, y también los europeos que voudrez ser latino?
paulo: "Aghora somos todos latinos" , nõ ?
clara: que? tu va a ser un dictater?
paulo: tiene q ter cosas reconocibles para todos los hablantes. No no sere, je n serai le dictater
clara: creo que le regles deben de ponerse poco a poco (que haya una regle que sea esa que tu escribiste aghora) y que le gente escriba libremente
paulo: si por supuesto...
clara: iuhu! je vais llamé mis amis de Buenos Aires, les miserables, un suit, ok? pour participe
paulo: pero hai que ser compreedida por los três o quatro grupos de hablantes ...
clara: y nous devon llamé Ju y Ariel y Samir
paulo: si?
clara: ok, ya comprendi je creo que todos van a comprender
paulo: ouí ... madamoisele
clara: nous van crié un blog?
paulo: ouí nous allé
clara: dacordo. depuis de crié le blog je va llamé mis ami miserables
paulo: je pense que " l´haiti c´ici, ce acá , es aqui" nous peu crié un foru ... pour la langue ...
clara: maravilla
paulo: I think that the English is a langue the criole too. yes...
clara: yo pense much como ça too. me encanta, moi like tout ça
paulo: suriname, jamaica, puerto rico, etc is 3th world . in america it is latino
clara: I know. I like tout ça
paulo: alors nous pharlé le criole ... do know mon amigue
clara: si! mira, depuis nous pouvon hablé más. qué nous vamos hacer en junio o julio avec tout ça?
paulo: yeu pienso que nous vamos hacer la semana del criole ici.
clara: dacordo, nous devon pense como será
paulo: ouro preto... belo horizonte... quartel do Indaiá ... porto del Princepe em Haiti...? saint domingo... havana ???
clara: yes, muy bien. mira, je retourne a Cuba en septimbre... vamos hacer antes
paulo: buenos aires? no sé ....
clara: si, je vais hablé con mis amis de Bs As
paulo: si noussotros pudemos hacer en fin de juni.. nous peudemos cambiar letras postales ...
clara: a ver si nos vemos pour pensé more me aperece bom
paulo: disseños... gravados ...
clara: jeu tengo una idee pour un primer postal-panfleto. me parece tre bom, lets faire un blog too, así todos podemos hablar juntos
paulo: uscê deseja apresentarla?
clara: le postal? u qué?
paulo: wí, oui´. si por suposto
clara: no faire le postal ainda, lo pensé hoye en el baño mais, vou faire ya ya. también nous pouvon cambiar emails. como le de hoye nous pouvon poner les emails como text del blog, aussi
paulo: si creo yeu que podemos utilizar todas las coisas & medios de comunicacion disponibles...
clara: alright, jeu tengo que salir. nous parlon mentenant
paulo: oi hasta manhãna...
clara: hasta mañhana! un besón
paulo: otro grande

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(e-mails trocados)

Em 07/05/09, paulo nazareth escreveu:


Salut mon amigo Jean,

jeu me apele Paulo Nazareth. Como vai tu ? La Clara , nuestr´amiga em comun, passô vuestro e-mail pa mim. "Mentenant, nous toudô allé pharler criole !". Vous comprende ?, entonces iniciamos aghora nuestre lengüa micigenada. O que piensa tu de esatas coisas?

grand chance pour tu


Paulo Nazareth

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2009/5/11 Jean Jean:

Salut mon ami,

je pres qui, pa connent escri en france ni creyol, pase que, j habite a saint domingue, me nou pe faire un esforce pour nous comuniqué, anchante.

Salut mon amie Clara sil vous plait.

Jean Jean

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Salut mon ami jean,

Creo que usted habla el "creyoli" . Me encanta su escrita torta, creo que tuveste que hacer un esfuerso para compreenderme , tantoi como he heco yo, pero en pocos estentes he compreedido el funcionamiento de su escrita medio criola. Creo que esta mui apto para el criolo, ya que vive en un pais vesino del Haiti. Entoces " aghora todos nossotros vamos hablar el criolo"; compreende? Pienso en hacer algo acá en la Belo Horizonte junto a mis compañeros ampliando el concepto de la revolucíon de independencia del Haiti. Creo que podriamos cambiar trabajos y muchas otras cosas e informacíones , etc... Hacer cosas en Saint Domingo, Port de Prince , etc... no sé ... Cambiar gravados, dibujos, cartas, cartoneses postales, videos, peliculas... Pienso en algo para junio o quisa para julio. Que piensa? Vamos continuar hablando el criolo? O yo escrivo en mi español torto?Creo que la proxima carta escrivo en criolo, pero tendremos que esbelecer las reglas de nuetra "nueva lengua", si?

Voy mandarte un cartone postal, para donde puedo enviar? Qual seria el adresco?

encantado en "hablar" contigo ....

paulo

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11 de maio de 2009 10:11 clara:

mes amis,

je sois enchanté de participar avec vous en la creación del creolês. mais, quel son le regles de c'est new langue? nous devons d'inventé tré rapide, quelque chose facile d'hablé o mejor quelque chose que nous ya parlé. otre question, porquoi hablé le criolês? tout tiene que tener un significat. Jean-Jean, que pensé tú d'invité notre amie Cláudia pour c'et conversation? Ella est portuguese y nous podrá auxiliê.

avanti el criolês!

y un beso pour tout,

Clara

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Hola! OLá! Salut!

Je suis aussi enchanté pour partager avec vois cette conversation interlinguistique et, surtout, parce que nous avons en commun les préoccupations humanistiques et artistiques (nous avons ? que est que j’ai fait pour c’est là?). Je ne sais pas parler français très bien,aujourd’hui j’ai fait un petit effort (monumental!!) …

Un saludo fuerte,
Cláudia

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La union faire la force!
Ese es el emblema del escudo haitiano y debería convertirse en nuestro slogan, que les parece?

Me interesa de sobre manera la creación del ¨Kreyol¨ que es como se escribe en criollo, y por esto muy a pesar de que soy haitiano, les ruego me permitan por ahora comunicarme con ustedes sólo en español, si? gracias.

Hace dos años, si no me equivoco, que un grupo de artístas e intelectuales sobre todo de Haití se hacían llamar los constructores del caribe o algo por el estilo, hicieron la primera reunión en La Citadele, el fin de este proyecto es precisamente unir todo el caribe mediante el kreyol, o sea, una campaña de criollización, que apuntale hacia la unión total del continente.

Es importante informarnos bien sobre el asunto, por que pudieramos unírnosle.

Un abrazo fuerte a todos

J.J.

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Satutatcion mon amigo,

Yeu nõ sé. Yeu kreio que phalar el el kriolo a aká entre "artistas" es ona afirmatcion del la missigenatcion, la mistura,la mix , etc , etc. yeu nõ sé si Ay ono sentido praktiko en esto. Méa nous inisiamos esto por causa dela istoria del Aiti. " mentenant , nous tout will be negros". La lengua es politika , es posia , es estetika, es etika , etc , etc... ya se dihe que no esiste froteiras ou bordas en el mondo pra el argen tiun, el money, el diñero. las bordas, los muros, walls, solamente esisten pra los pobres sin diñero, etc, etc, feios, calvos, cabeludos, fuera del padron ... una palavra solamente es left si es talk about one desdentado people. Can do you entender me ? yeu nõ sé ifsi es posible... entonces Asemos la lengua y el blog....

ono grande beijo en "usês" tout


paulo


somos todos negros



“In Discourse and Truth Foucault sets forth a genealogy of criticism, focusing on the term parrhesia, which played a central role in ancient philosophy: parrhesia means in Greek roughly the activity of a person (the parrhesiastes) ‘saying everything’, freely speaking truth without rhetorical games and without ambiguity, even and especially when this is hazardous. The parrhesiastes speaks the truth, not because he is in possession of the truth, which he makes public in a certain situation, but because he is taking a risk. The clearest indication for the truth of the parrhesia consists in the ‘fact that a speaker says something dangerous –different from what the majority believes’. According to Foucault’s interpretation, though, it is never a matter of revealing a secret that must be pulled out of the depths of the soul. Here truth consists less in opposition to the lie or to something ‘false’, but rather in the verbal activity of speaking the truth: ‘the function of parrhesia is not to demonstrate the truth to someone else, but has the function of criticism: criticism of the interlocutor or of the speaker himself’”.

(…) “Through his criticism the parrhesiastes enters into exposed situations threatened by the sanction of exclusion”.

(…) “over the course of time, a change takes place in the game of truth ‘which –in the classical Greek conception of parrhesia- was constituted by the fact that someone was courageous enough to tell the truth to other people… there is a shift from that kind of parrhesiastic game to another truth game which now consists in being courageous enough to disclose the truth about oneself’”.


RAUNIG, Gerald. The Transversal Concatenation of the PublixTheatreCaravan: Temporary Overlaps of Art and Revolution. IN: Art and Revolution. Pág. 211-214. Semiotext(e), Los Angeles, 2007.



cadernos negros

Honduras

panfletos explicativos e contra o golpe de estado em Honduras. o conceito de "somos todos negros" compreende não apenas os biologicamente negros, mas os oprimidos (a partir da generalização do particular (mais) excluído).




ilustrações de Luciano Cortez para a revista de poesia Dezfaces

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bolachas de terra e Babel



Paulo- então, o MIP é Manifestação Internacional de Performance, promovido pelo CEIA aqui em Belo Horizonte. Eles me convidaram pra fazer umas coisas lá. Aí tinha um monte de coisa que eu queria fazer. Queria fazer uma cisterna lá dentro eles falaram que não podia.

Clara- Não podia? E por quê?

P- ah porque eles disseram que tinha muita rede de encanação de água lá dentro. O piso era muito forte, tinha uma malha de concreto e ferro, muita resistência, daria muito trabalho e além disso a rede hidrográfica... a gente não sabia onde tava, podia furar uma encanação de água ou de esgoto e...

C- e você acreditou nisso?

P- eu? Ah, achei que era possível, mas pra mim não seria problema. Mas era problema pra eles. Aí eles falaram ô, Paulo, por que cê não faz outra coisa? Manda outra proposta aí. Aí tinha essa coisa do Haiti que tava pensando, do biscoito de terra. Parece que lá no Haiti, dizem, que eles tão comendo terra.

C- quem te falou isso? Como cê descobriu?

P- o moço da igreja me falou.

C- qual igreja?

P- protestante.

C- e o cara era haitiano?

P- não, não, ele era brasileiro. E depois a folha da Universal publicou uma matéria também sobre isso: “a bolacha de terra”. Porque nos países que estão em guerra a agricultura é prejudicada, qualquer país em guerra. Com a guerra civil lá no Haiti eles não tão plantando nada. Nem mandioca. E aí tem essas bolachas de terra, terra e banha.

C- banha?

P- é, tem gente que fala que é manteiga, agora, acho que é mais banha. Eles fazem isso, juntam terra e água e banha e deixam secando no sol. E o trabalho era esse mais o texto falando da minha relação com o Haiti. Quando eu era pequeno eu queria entrar pro exército, queria ser soldado, eu até me alistei como voluntário, só que fui dispensado por excesso de contingente. Quando tem muita gente eles dispensam. Eu queria muito ser soldado, andar com uma metralhadora.

C- é?

P- é. E aí, eu falava disso, por exemplo, pra você ser dispensado do exército, de cara você pode dizer que é homossexual, aí eles te dispensam sem nenhuma conversa. Você pode dizer que é “arrimo” de família.

C- que é o que?

P- “arrimo” de família. Arrimo de família, aquele muro de arrimo, o muro de arrimo não deixa o barranco ceder, o arrimo de família é a mesma coisa. A pessoa que trabalha e...

C- que mantêm a família...

P- é de certa forma, né. Ajuda a família pra família não ceder. Senão se a pessoa pára de trabalhar há um desequilíbrio na renda da família. Então você pode dizer que é arrimo de família e você é dispensado. Ou que você é homossexual, se você disser que é homossexual sua chance é muito maior que a chance do arrimo de família. Por exemplo, se tem que pegar um cara e tem dois e aí um diz que é arrimo de família e o outro diz que é homossexual eles dispensam o homossexual e pegam o arrimo de família.

C- mas aí ocê foi chamado...

P- não... eu era voluntário.

C- você era arrimo de família?

P- eu era arrimo de família, mas eu queria servir o exército. Porque depois dizem que você tem emprego garantido. Depois que passa a fase de recruta. Mas um soldado não ganha muito bem, não. Mas os soldados que vão pro Haiti eles ganham cerca de 3 a 4 vezes mais que um soldado aqui.

C- mas como assim os soldados que vão pro Haiti?

P- os soldados daqui que vão servir na força de paz da ONU no Haiti, eles ganham mais. Eles ganham de 3 a 4 vezes mais que um soldado que fica no Brasil.

C- e você queria ser um soldado no Haiti?

P- não, porque eu nem sabia. Eu queria ser um soldado do Brasil. E sendo um soldado do Brasil eu poderia ir ao Haiti. Porque às vezes um soldado daqui não costuma viajar, ir pro exterior. Às vezes vão, né, pro Amazonas, nem todos... pelo menos alguns vão ali praquela região da Colômbia, da Bolívia. E é isso, então eu falava disso.

C- aí você distribuía esse papel...

P- não, aí o seguinte, eu fazia as bolachas, comia. Fiquei três dias em jejum. E no terceiro dia, era bolacha de argila.

C- que você preparou...

P- que eu preparei.

C- mas cê fez lá mesmo?

P- isso, lá mesmo.

C- e as pessoas que tavam vendo sabem que cê ficou 3 dias sem comer?

P- algumas. Aí eu fazia essas bolachas e comia algumas e ia oferecendo aos presentes.

C- e as pessoas, a reação delas?

P- ah, algumas aceitavam, outras levavam de lembrança, souvenir.

C- mas comiam?

P- teve alguém que provou. Eles experimentavam. Mas não era muito boa. Na verdade, as bolachas haitianas são melhores.

C- Por que?

P- Elas são feitas de terra, banha e elas não são assadas. Então, como elas não são assadas, elas secam no sol, elas são de mais fácil digestão. A minha era de argila, a digestão é mais difícil. Quer dizer, ela pra comer é mais dura, vai virando uma pedra. E assada ela fica pior ainda. E depois eu distribuí o texto no outro dia.


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Babel quando eu aprender a língua dos outros



P- aí tinha aquela coisa do Bureau des Langues.

C- que tem a ver com o Kreioly também.

P- tem a ver com o Kreioly porque é o encontro de línguas. Então eu utilizava meu tradutorzinho, minha maquininha de traduzir.

C- qual maquininha era essa?

P- eu tenho um tradutor global translator.

C- que é o que?

P- é um dicionário eletrônico. Tradutor eletrônico. Eles falam global translator.

C- e como cê conseguiu isso?

P- eu consegui na Indonésia, em Getuani (Jatiwangi). Quando eu fui em Getuani. Uma cidade do interior. E lá eu conheci o Manuel.

C- Manuel? Era um português?

P- não, indonésio. Chamava Manuel. Manuel gostava muito de mim, ele era irmão do Binbin. A família que me recebeu em Getuania, onde eu fiquei vivendo por 2 semanas. E aí o Manuel decidiu que eu tinha que comprar um dicionário, pra eu aprender indonésio, então eu fui comprar e acabei comprando esse que era especial. Ele tinha 29 línguas, mas ele tinha poucas palavras.

C- que bom, eu não conhecia essa máquina não. E as pessoas foram consultar com você?

P- sim, ah, aqui? Sim. Meu serviço era ir no aeroporto. Eu fui no aeroporto buscar as pessoas, os estrangeiros. Aí eu pegava eles na sua língua materna. Então busquei um holandês, inglês, alemão, turco. Deixa eu ver, ali perto da Finlândia... Noruega! Norueguês, isso, eu falei norueguês. Fui buscar Anawana que é uma artista da Zâmbia que vive na Noruega, ela é casada com um norueguês. Ela fala zambiano, fala o que... ssossa (?), zulu e norueguês. Como eu não tinha na minha máquina o zambiano, eu falei o norueguês. Aí depois eu fui buscar o marido dela.

C- até hoje você ta fazendo o Bureau des Langues?

P- sim, tem uma pagininha na internet. O Bureau des Langues é o escritório de línguas.

C- e o panfleto que eu ganhei lá sobre...

P- ah, sim, esse era o Babel, né? Babel, quando eu aprender a língua dos outros. Que tá em inglês e português. Que aí fala um pouco da língua e do trânsito. Que tem essa confusão...