06/12/2009

bolachas de terra e Babel



Paulo- então, o MIP é Manifestação Internacional de Performance, promovido pelo CEIA aqui em Belo Horizonte. Eles me convidaram pra fazer umas coisas lá. Aí tinha um monte de coisa que eu queria fazer. Queria fazer uma cisterna lá dentro eles falaram que não podia.

Clara- Não podia? E por quê?

P- ah porque eles disseram que tinha muita rede de encanação de água lá dentro. O piso era muito forte, tinha uma malha de concreto e ferro, muita resistência, daria muito trabalho e além disso a rede hidrográfica... a gente não sabia onde tava, podia furar uma encanação de água ou de esgoto e...

C- e você acreditou nisso?

P- eu? Ah, achei que era possível, mas pra mim não seria problema. Mas era problema pra eles. Aí eles falaram ô, Paulo, por que cê não faz outra coisa? Manda outra proposta aí. Aí tinha essa coisa do Haiti que tava pensando, do biscoito de terra. Parece que lá no Haiti, dizem, que eles tão comendo terra.

C- quem te falou isso? Como cê descobriu?

P- o moço da igreja me falou.

C- qual igreja?

P- protestante.

C- e o cara era haitiano?

P- não, não, ele era brasileiro. E depois a folha da Universal publicou uma matéria também sobre isso: “a bolacha de terra”. Porque nos países que estão em guerra a agricultura é prejudicada, qualquer país em guerra. Com a guerra civil lá no Haiti eles não tão plantando nada. Nem mandioca. E aí tem essas bolachas de terra, terra e banha.

C- banha?

P- é, tem gente que fala que é manteiga, agora, acho que é mais banha. Eles fazem isso, juntam terra e água e banha e deixam secando no sol. E o trabalho era esse mais o texto falando da minha relação com o Haiti. Quando eu era pequeno eu queria entrar pro exército, queria ser soldado, eu até me alistei como voluntário, só que fui dispensado por excesso de contingente. Quando tem muita gente eles dispensam. Eu queria muito ser soldado, andar com uma metralhadora.

C- é?

P- é. E aí, eu falava disso, por exemplo, pra você ser dispensado do exército, de cara você pode dizer que é homossexual, aí eles te dispensam sem nenhuma conversa. Você pode dizer que é “arrimo” de família.

C- que é o que?

P- “arrimo” de família. Arrimo de família, aquele muro de arrimo, o muro de arrimo não deixa o barranco ceder, o arrimo de família é a mesma coisa. A pessoa que trabalha e...

C- que mantêm a família...

P- é de certa forma, né. Ajuda a família pra família não ceder. Senão se a pessoa pára de trabalhar há um desequilíbrio na renda da família. Então você pode dizer que é arrimo de família e você é dispensado. Ou que você é homossexual, se você disser que é homossexual sua chance é muito maior que a chance do arrimo de família. Por exemplo, se tem que pegar um cara e tem dois e aí um diz que é arrimo de família e o outro diz que é homossexual eles dispensam o homossexual e pegam o arrimo de família.

C- mas aí ocê foi chamado...

P- não... eu era voluntário.

C- você era arrimo de família?

P- eu era arrimo de família, mas eu queria servir o exército. Porque depois dizem que você tem emprego garantido. Depois que passa a fase de recruta. Mas um soldado não ganha muito bem, não. Mas os soldados que vão pro Haiti eles ganham cerca de 3 a 4 vezes mais que um soldado aqui.

C- mas como assim os soldados que vão pro Haiti?

P- os soldados daqui que vão servir na força de paz da ONU no Haiti, eles ganham mais. Eles ganham de 3 a 4 vezes mais que um soldado que fica no Brasil.

C- e você queria ser um soldado no Haiti?

P- não, porque eu nem sabia. Eu queria ser um soldado do Brasil. E sendo um soldado do Brasil eu poderia ir ao Haiti. Porque às vezes um soldado daqui não costuma viajar, ir pro exterior. Às vezes vão, né, pro Amazonas, nem todos... pelo menos alguns vão ali praquela região da Colômbia, da Bolívia. E é isso, então eu falava disso.

C- aí você distribuía esse papel...

P- não, aí o seguinte, eu fazia as bolachas, comia. Fiquei três dias em jejum. E no terceiro dia, era bolacha de argila.

C- que você preparou...

P- que eu preparei.

C- mas cê fez lá mesmo?

P- isso, lá mesmo.

C- e as pessoas que tavam vendo sabem que cê ficou 3 dias sem comer?

P- algumas. Aí eu fazia essas bolachas e comia algumas e ia oferecendo aos presentes.

C- e as pessoas, a reação delas?

P- ah, algumas aceitavam, outras levavam de lembrança, souvenir.

C- mas comiam?

P- teve alguém que provou. Eles experimentavam. Mas não era muito boa. Na verdade, as bolachas haitianas são melhores.

C- Por que?

P- Elas são feitas de terra, banha e elas não são assadas. Então, como elas não são assadas, elas secam no sol, elas são de mais fácil digestão. A minha era de argila, a digestão é mais difícil. Quer dizer, ela pra comer é mais dura, vai virando uma pedra. E assada ela fica pior ainda. E depois eu distribuí o texto no outro dia.


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Babel quando eu aprender a língua dos outros



P- aí tinha aquela coisa do Bureau des Langues.

C- que tem a ver com o Kreioly também.

P- tem a ver com o Kreioly porque é o encontro de línguas. Então eu utilizava meu tradutorzinho, minha maquininha de traduzir.

C- qual maquininha era essa?

P- eu tenho um tradutor global translator.

C- que é o que?

P- é um dicionário eletrônico. Tradutor eletrônico. Eles falam global translator.

C- e como cê conseguiu isso?

P- eu consegui na Indonésia, em Getuani (Jatiwangi). Quando eu fui em Getuani. Uma cidade do interior. E lá eu conheci o Manuel.

C- Manuel? Era um português?

P- não, indonésio. Chamava Manuel. Manuel gostava muito de mim, ele era irmão do Binbin. A família que me recebeu em Getuania, onde eu fiquei vivendo por 2 semanas. E aí o Manuel decidiu que eu tinha que comprar um dicionário, pra eu aprender indonésio, então eu fui comprar e acabei comprando esse que era especial. Ele tinha 29 línguas, mas ele tinha poucas palavras.

C- que bom, eu não conhecia essa máquina não. E as pessoas foram consultar com você?

P- sim, ah, aqui? Sim. Meu serviço era ir no aeroporto. Eu fui no aeroporto buscar as pessoas, os estrangeiros. Aí eu pegava eles na sua língua materna. Então busquei um holandês, inglês, alemão, turco. Deixa eu ver, ali perto da Finlândia... Noruega! Norueguês, isso, eu falei norueguês. Fui buscar Anawana que é uma artista da Zâmbia que vive na Noruega, ela é casada com um norueguês. Ela fala zambiano, fala o que... ssossa (?), zulu e norueguês. Como eu não tinha na minha máquina o zambiano, eu falei o norueguês. Aí depois eu fui buscar o marido dela.

C- até hoje você ta fazendo o Bureau des Langues?

P- sim, tem uma pagininha na internet. O Bureau des Langues é o escritório de línguas.

C- e o panfleto que eu ganhei lá sobre...

P- ah, sim, esse era o Babel, né? Babel, quando eu aprender a língua dos outros. Que tá em inglês e português. Que aí fala um pouco da língua e do trânsito. Que tem essa confusão...



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